Opinião

Amazônida, com orgulho

*Valcléia Solidade

Um olhar da Amazônia sobre a perspectiva do empoderamento e representatividade das mulheres para a proteção da floresta e dos povos.

É dia da mulher e é urgente falar das mulheres da Amazônia. Mas falar disso é como falar da própria Amazônia: precisa sempre ser no plural. São muitas e diversas, com diferentes demandas e qualidades.

Por mais que o debate da importância da representatividade feminina das populações da floresta tenha avançado nos centros urbanos, existe uma categoria dentre as mulheres amazônidas que ainda carece de espaço em tomadas de decisões: a ribeirinha. Isso diminui significativamente a possibilidade de efetivação de políticas públicas urgentes e necessárias para a Amazônia, fortemente ocupada por essas comunidades.

Vamos aos fatos: nos deparamos, diante do novo governo eleito, com uma nova oportunidade para os povos da floresta. É inegável a maior diversidade e capacidade técnica do novo quadro de dirigentes em implementar ações e respostas às demandas dos movimentos sociais, o que impacta diretamente, ao falarmos de Amazônia, na vida de 28 milhões de amazônidas em território brasileiro.

Ao olharmos para trás, desde o fim da década de 1990 e fortalecido no início dos anos 2000, o Brasil vem discutindo o papel e a importância do movimento socioambiental. Isso contribuiu para que os territórios amazônicos fossem melhor representados e também visibilizados, o que representou a oportunidade inédita no Brasil do acesso a políticas públicas dessas populações.

Hoje, nos deparamos com a possibilidade de fortalecer isso novamente, mas ampliar. É preciso elevar as populações tradicionais e considerar sua diversidade. É preciso fortalecer a representatividade indígena, mas também de populações quilombolas, ribeirinhas, periféricas urbanas e outras tantas inseridas na floresta amazônica.

Esse é um caminho oportuno e necessário para a tomada de decisões referentes a um dos biomas mais importantes do mundo. Dentro dele, ainda, é necessário destacar o papel de centralidade das mulheres.

As lideranças femininas nas comunidades ribeirinhas são sabidamente reconhecidas pela eficiência de gestão, provada em negócios e à frente de organizações comunitárias, além de entendimento sistêmico das necessidades das comunidades.

Em grande parte, entretanto, limitam-se a funções secundárias nas atividades comunitárias, como ajudantes ou cozinheiras. Ou então carecem de apoio e visibilidade para ocupar outros espaços ainda mais significativos – uma representatividade cuja urgência é justificada pela importância do desenvolvimento sustentável da Amazônia diante das ameaças da crise climática.

Para ilustrar a importância da ocupação destes espaços, falarei de bioeconomia e violência de gênero.

O manejo sustentável do pirarucu, que tirou a espécie de risco de extinção há anos, é uma atividade que envolve toda a estrutura familiar e é responsável pela subsistência e geração de renda de milhares de famílias amazônidas. Para o manejo prosperar, entretanto, é necessário olhar para a especificidade do produto final da cadeia – suas qualidades e desafios de comercialização.

Infelizmente, as comunidades tradicionais ainda são economicamente reféns de atravessadores, que se apresentam como a única saída para escoamento do produto, vendido a preços baixíssimos na comunidade, distante de centros urbanos, e comercializado em valor de ingrediente de alta gastronomia, posteriormente.

O pirarucu não deve ser visto como um produto em larga escala, mas carrega um valor inegável: é proveniente da Amazônia com a floresta em pé, tem a identidade do território e carrega cultura.

Assim, as regras para que esse produto seja levado ao mercado não devem ser as mesmas do mercado varejista e industrial. É preciso reconhecimento desse valor, não apenas monetário, mas simbólico.

Isso é uma questão a ser resolvida com um olhar diferenciado e criando mecanismo para que as leis e normas já estabelecidas garantam a maior efetividade de sua aplicação, gerando os resultados que as populações tradicionais desejam.

Para que isso seja possível com a representatividade das mulheres e para que a esta não seja garantida por poucas e a duras penas, é preciso enfrentar outro problema: a violência de gênero na Amazônia.

Uma transformação em prol de igualdade de gênero no campo só é possível se a educação no tema for adaptada para o contexto particular dos territórios amazônicos. Isso porque é um problema diretamente ligado à vulnerabilidade social: muitas mulheres são submetidas a situações de violência pela falta de informação e condições para qualificação e ingresso no mercado de trabalho.

É preciso, então, trabalhar pela garantia de direitos e, em paralelo, levar a informação de forma contextualizada e adaptada com clareza e com leveza e com entendimento de que um processo educativo demanda tempo.

Uma estratégia eficiente para isso são projetos direcionados à juventude. A Fundação Amazônia Sustentável (FAS) implementou o projeto ‘Deixa a Mana Jogar’, que usou a prática esportiva como ferramenta para diálogos sobre questões de gênero em duas comunidades do interior do Amazonas. São ideias e reflexões que ganham tração ao serem internalizadas na família a partir de crianças e adolescentes, que buscam transformação.

É por isso também que a FAS organizará neste mês o ‘Seminário das Mulheres’, que trará mulheres moradoras de diferentes categorias de áreas protegidas da Amazônia para uma programação de dois dias de imersão em temas de conservação ambiental e liderança.

Já são numerosas as mulheres em posição de liderança que lutam diariamente para viabilizar ações em prol da conservação ambiental e da qualidade de vida dos povos da floresta.

Como demonstrado, entretanto, a Amazônia precisa de mais (em quantidade e diversidade) para o atendimento das necessidades das populações que nela moram e que garantem, como consequência, a conservação florestal de um dos biomas mais importantes do mundo, que é interesse de todos.

É um desafio visto que a solução do problema é ‘dificultada’ pelo próprio problema – a falta de garantia da qualidade de vida e efetivação de direitos já existentes para emancipação das mulheres amazônidas.

O trabalho é grande, como vimos, mas indispensável e possível para uma Amazônia viva, inclusiva, diversa e com equidade. Mãos à obra.

*Valcléia Solidade é superintendente de Desenvolvimento Sustentável da Fundação Amazônia Sustentável (FAS).

Fonte: O Eco