Opinião

Carta aberta pelo futuro da Amazônia e do Brasil

*Cláudio C. Maretti

Doze propostas para a Amazônia, os povos indígenas, as comunidades tradicionais, a Natureza e o desenvolvimento sustentável no Brasil.

Consternado pelos recentes acontecimentos na Amazônia, em uma das suas partes mais íntegras e sensíveis;

Reconhecendo que Bruno Pereira e Dom Phillips são símbolos das agressões anti-ambientais, anti-indígenas, anti-ecológicas, anti-comunidades, anti-amazônicas, anti-sociais, anti-culturais, anti-econômicas, anti-legalidade;

Reconhecendo que o Brasil sofre atualmente consequências do DESgoverno;

Manifestando total repúdio aos criminosos do garimpo, da grilagem, do roubo de madeira, do tráfico de animais silvestres, do desmatamento, do trabalho escravo, do tráfico de drogas ilícitas, do contrabando de ouro, os matadores de aluguel… e todos que estimulam o crime;

Ciente de que todos devemos colaborar;

Tentando transformar meus sentimentos de pesar pelo que sofrem – os povos indígenas, as comunidades tradicionais, os amazônidas do bem… As florestas, os rios, a ecologia, os animais, as aves… Os ambientalistas, os que defendem os direitos humanos… Os que produzem de forma legal e sustentável – em algo positivo, apresento para reflexão e diálogo 12 propostas para a Amazônia, os povos indígenas, as comunidades tradicionais, a natureza e o desenvolvimento sustentável no Brasil:

  1. Reconhecer todas as terras indígenas e todos os territórios tradicionais de comunidades locais, na Amazônia e no resto do Brasil. E reconhecer sua autonomia e financiar sua formação organizacional e sua capacitação técnica de povos indígenas e comunidades tradicionais (em modelos adequados culturalmente e conforme temas que eles escolham) para que possam gerir seus próprios territórios e processar e vender seus produtos agroflorestais e dos ecossistemas (incluem pesca, extrativismo etc.) e promover atividades de ecoturismo de base comunitária, na Amazônia e no resto do Brasil. Apoiar a formação e a competitividade das cadeias de valor de produtos advindos das atividades agroflorestais desses povos e comunidades, inclusive por meio de compras públicas sustentáveis.
  2. Reconhecer a Funai e o ICMBio como instituições de Estado, com relativa autonomia do Poder Executivo, com seleção profissional (aberta, transparente) de seus dirigentes e sua aprovação pelo Congresso Nacional, junto com o estabelecimento de metas e prestação de contas anuais ao Congresso Nacional e a sociedade. Além da ampliação significativa de seus orçamentos e corpo de servidores (ambos ao redor de 5 a 10 vezes mais do que os volumes antes de 2019).
  3. Promover laboratórios públicos e privados e empresas comunitárias para pesquisa de aproveitamento de recursos da biodiversidade e ecológicos, em parceria com universidades e institutos de pesquisa (inclusive em ciências sociais) e com empresas idôneas, sempre seguindo as diretrizes e com procedimentos aprovados por esses povos e comunidades, na Amazônia e no resto do Brasil.
  4. Promover ecoturismo colaborativo (pago), com engajamento em atividades de contribuição à conservação da natureza e à defesa dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, sempre seguindo as diretrizes e com procedimentos aprovados por esses povos e comunidades, em unidades de conservação e territórios tradicionais, na Amazônia e no resto do Brasil.
  5. Promover educação e saúde culturalmente adequadas e autônomas, aos povos indígenas e às comunidades tradicionais, sempre seguindo as diretrizes e com procedimentos aprovados por esses povos e comunidades, na Amazônia e no resto do Brasil.
  6. Transformar uma parte significativa do serviço militar obrigatório em serviço social, para homens e mulheres, com aprendizagem e prestação de serviços de contribuição à conservação da natureza e à defesa dos direitos dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, sempre seguindo as diretrizes e com procedimentos aprovados por esses povos e comunidades, na Amazônia e no resto do Brasil.
  7. Concentrar a atuação das forças armadas na proteção das fronteiras, contra o narcotráfico, contra o tráfico ilegal da vida silvestre, contra o contrabando de ouro e outros minérios preciosos, nas fronteiras, com respeito aos direitos humanos, na Amazônia e no resto do Brasil.
  8. Promover a investigação (de inteligência), com Polícia Federal e Ibama, entre outros (como ICMBio e Funai) para coibir o financiamento de quaisquer atividades ilegais (como desmatamento, garimpo, grilagem de terras, extração de madeira insustentável, pesca predatória etc.) e a receptação de seus produtos (como ouro, madeira, terras etc.), na Amazônia e no resto do Brasil.
  9. Defender um novo plano estratégico global de biodiversidade, para a natureza e para as pessoas, para 2030 e 2050, ambicioso e financiado (na 15ª Conferência das Partes da Biodiversidade, em 2022), com 30% de proteção de todos os ecossistemas, eliminação do desmatamento e da conversão de ecossistemas e extinção zero de espécies, incluindo o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais e locais, assim como a gestão equitativa de sistemas de áreas protegidas e conservadas, inclusive para as camadas mais necessitadas nas cidades, com serviços de promoção da saúde, bem-estar, lazer, educação e cidadania, reconhecendo o papel, direito a participação e responsabilidade compartilhadas dos governos subnacionais e locais, na Amazônia e no resto do Brasil.
  10. Combater as mudanças climáticas, inclusive com sobretaxa aos combustíveis fósseis e atividades que gerem desmatamento ou conversão de ecossistemas, financiando as redes de territórios tradicionais e áreas protegidas e conservadas, e promover o enfrentamento aos eventos cada vez mais críticos e frequentes (adaptação às mudanças climáticas, que já chegaram), inclusive por meio da recuperação florestal e de ecossistemas nativos, ampliação de áreas protegidas, verdes e azuis nas cidades e zonas periurbanas, considerando os parques lineares e a retirada das populações das zonas de risco, na Amazônia e no resto do Brasil.
  11. Fornecer recursos, públicos e privados (inclusive do item anterior), para viabilizar a implementação da política nacional de pagamento pelos serviços ambientais e dos ecossistemas, priorizando os povos indígenas e comunidades tradicionais e locais, com seus territórios tradicionais, e as unidades de conservação, subsidiando atividades sociais, culturais e econômicas sustentáveis.
  12. Reconhecimento e promoção das atividades econômicas legais, inclusive comunitárias e de empresas idôneas, considerando por exemplo o manejo sustentável das florestas, as pescas sustentáveis, a agricultura familiar, o beneficiamento dos produtos agroflorestais e dos ecossistemas (incluem pesca, extrativismo etc.), o ecoturismo e o turismo engajado, inclusive de base comunitária, entre outras possibilidades.

As interações, os processos coletivos de aprendizagem social e de construção coletivos, ou co-construção, de propostas, são o melhor caminho. Deixo minhas contribuições. Minhas ideias vêm de mais de 4 décadas de estudos, pesquisas, atividades profissionais e militância em defesa da conservação da natureza, do respeito aos direitos dos povos indígenas e comunidades locais e tradicionais e pelo desenvolvimento sustentável.

Não pretendo estar totalmente certo. Fico aberto a seguir nas reflexões e diálogos, coletivos, que possam promover as transformações positivas de que necessitamos.

*Cláudio C. Maretti é especialista em áreas protegidas de experiência internacional; pós-doutorando sobre conservação colaborativa na USP; consultor e voluntário.

Fonte: O Eco