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Opinião

Restauração da Mata Atlântica é exemplo de adaptação às mudanças climáticas

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*Rafael Bitante Fernandes, Alex Fernando Mendes, Ricardo Augusto Gorne Viani, Mariana Oliveira e Ludmila Pugliese

Um dos pontos fundamentais da COP do clima, ações de mitigação e adaptação já estão em vigor no bioma e pode ser usado como exemplo do que podemos fazer.

A restauração de ecossistemas degradados é uma das principais tecnologias já disponíveis e acessível para mitigação e adaptação às mudanças climáticas, dois dos assuntos que serão discutidos na Conferência das Partes sobre Mudanças Climáticas (COP 26), que irá ocorrer em Glasgow, Escócia, iniciando-se no dia 31 deste mês. A Organização das Nações Unidas (ONU), reconhecendo essa importância das iniciativas de restauração, fez o chamado pela proteção e revitalização dos ecossistemas em todo o mundo, em benefício das pessoas e da natureza, declarando 2021-2030 como a Década das Nações Unidas para a Restauração dos Ecossistemas e liderando um desafio global gigantesco, no qual diversos países se uniram e se comprometeram em recuperar 1 bilhão de hectares.

Essa declaração se soma a outras iniciativas globais e regionais como o Desafio de Bonn, a Iniciativa 20×20, e os próprios Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS).

O Brasil é signatário desses acordos internacionais e possui arcabouço legal para apoiar ações de restauração. O principal instrumento é a Lei de Proteção da Vegetação Nativa (n° 12.651/2012), mas existem outros mecanismos e instrumentos de suporte e promoção da restauração nos diferentes níveis de jurisdição e biomas. A Mata Atlântica possui uma série de elementos favoráveis a iniciativas de restauração. Uma recente análise publicada no Sustentabilidade em Debate, aponta um déficit de vegetação nativa no bioma de 4,74 milhões de hectares, sendo 2,76 milhões em Áreas de Preservação Permanente e 1,98 milhões de Reserva Legal.

Como parte das ações no âmbito da Década da Restauração, foi realizado em setembro deste ano na França o Congresso Mundial de Conservação da União Internacional pela Conservação da Natureza (UICN) no qual foram lançados os 10 princípios orientadores de políticas para a restauração dos ecossistemas com objetivo de trazer subsídios para diferentes atores e organizações que apoiam essas ações. São eles:

1.) Contribuição global;

2.) Amplo engajamento;

3.) Muitos tipos de atividades;

4.) Benefícios para a natureza e as pessoas;

5.) Abordagem das causas da degradação;

6.) Integração do conhecimento;

7.) Metas mensuráveis;

8.) Contextos locais e terrestres/marítimos;

9.) Monitoramento e gestão;

10.) Integração de políticas.

A busca por dar escala à agenda da restauração requer intensa organização global de instituições interessadas nos próximos anos. Mas, neste quesito, a Mata Atlântica sai na frente, já que há mais de uma década o Pacto pela Restauração da Mata Atlântica (PACTO) tem sido uma integradora e bem-sucedida iniciativa de promoção da restauração do bioma. O PACTO é um movimento nacional lançado em 2009, que tem a missão de articular e integrar atores interessados na restauração no bioma, induzindo ações e resultados em larga escala, com benefícios ambientais, sociais e econômicos. Hoje, conta com a força de mais de 300 membros, de múltiplos setores, e já produziu e continua trabalhando para apoiar dezenas de documentos e ferramentas que possuem sinergia com os desafios e oportunidades para a restauração.

O movimento foi organizado e se comprometeu com a meta de restaurar 15 milhões de hectares até 2050 na Mata Atlântica. Com objetivo de acompanhar o progresso de suas ações, o PACTO desenvolveu o mapeamento de cerca de 17,7 milhões de hectares potenciais para a restauração. Com a adoção de uma plataforma geoespacial compilou mais de 51 mil hectares em processo de restauração em projetos de seus membros, outros 740 mil hectares em processo de regeneração natural foram detectados remotamente, trazendo esperanças para o ganho de larga escala. Inclusive, atuando em colaboração com outras instituições como, por exemplo, o Observatório da Restauração e Reflorestamento, uma iniciativa da Coalizão Brasil, Clima, Florestas e Agricultura, o PACTO é uma referência da Mata Atlântica para acompanhar a restauração e o reflorestamento a partir de dados de satélite e em projetos no chão.

Este sucesso pode ser atribuído ao desenvolvimento de um sistema de governança robusto, com forte comunicação e articulação, à promoção de estratégias que influenciem políticas públicas, e ao estabelecimento de um sistema de monitoramento. Lançando mão de um sistema de governança descentralizada e de uma estrutura interna composta por Coordenação Nacional, Secretaria Executiva e Conselho de Coordenação, o PACTO possui Grupos de Trabalho que atuam de acordo com as temáticas estratégicas para o movimento. Além disso, visando construir as pontes necessárias para endereçar as lacunas existentes para quem atua na implementação, existem 16 Unidades Regionais – instituições parceiras distribuídas por toda extensão da Mata Atlântica com legitimidade e atuação local.

A elaboração de documentos de referência pautada no envolvimento de diferentes atores sempre esteve presente ao longo da história do PACTO. O principal deles, o Referencial Teórico pela Restauração da Mata Atlântica, reúne o conhecimento acerca da ciência e prática da restauração no bioma e tem sido uma referência para construção de documentos em outros biomas brasileiros.

A fim de aferir o sucesso da restauração, o PACTO elaborou de modo colaborativo o Protocolo de Monitoramento da Restauração Florestal, que incluiu, de forma inovadora, princípios socioeconômicos e de gestão de projetos no monitoramento da restauração. Esse protocolo serviu de modelo para os instrumentos de monitoramento ecológico da restauração hoje existentes nos Programas de Regularização Ambiental (PRAs) estaduais.

Por fim, fruto dessa diversidade de atores envolvidos, o PACTO articulou eventos e capacitações, e publicou dezenas de artigos científicos, capítulos de livros e cartilhas técnicas ao longo de seus 12 anos, que contribuíram não só para orientar as ações dos seus membros, mas subsidiaram importantes políticas públicas, como o Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa (Planaveg).

É importante ressaltar que as estratégias de restauração precisam estar alinhadas com estratégias de fiscalização, monitoramento e controle da perda da cobertura florestal para que as ações de restauro sejam realmente efetivas para que tenhamos um saldo positivo. Abastecidos de todo esse conhecimento e da forte articulação e integração dos diferentes atores da restauração, podemos afirmar que a Mata Atlântica e o PACTO estão prontos para os desafios da agenda climática e para apoiar a Década da Restauração.

*Rafael Bitante Fernandes é gerente de Restauração Florestal da SOS Mata Atlântica e Membro do Conselho de Coordenação do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.

Alex Fernando Mendes é Secretário Executivo do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.

Ricardo Augusto Gorne Viani é Professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Membro do Conselho de Coordenação do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.

Mariana Oliveira é Coordenadora de Projetos do WRI Brasil e Membro do Conselho de Coordenação do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica.

Ludmila Pugliese é Coordenadora Nacional do Pacto pela Restauração da Mata Atlântica e Coordenadora de Projetos da Conservação Internacional.

Fonte: O Eco