Array
Opinião

Nos bastidores do desmatamento ilegal

Array

*Amélia Gonzalez

A cena é cruel. Quem se emociona pelas barbaridades que parte da humanidade comete contra os bens naturais, certamente já se indignou bastante com o uso dos tais correntões para desmatamento usada com certa tranquilidade pelos agricultores que querem se livrar rapidamente de árvores para liberar um terreno. É uma prática considerada crime ambiental no Brasil, mas que no Mato Grosso os deputados decidiram revogá-la. Não por acaso, este estado é um dos que lideram o ranking dos que mais desmatam.

Duas correntes muito grossas são fixadas em tratores que percorrem ao mesmo tempo a mesma distância, paralelamente, arrancando a vegetação. Com isso, os animais que se virem, que corram, que tentem se livrar do peso dos troncos. É fugir ou morrer. Com esse método, é possível desmatar até dez campos de futebol por dia

Uma reportagem publicada no site De olho nos Ruralistas, no dia 13 de agosto, assinada pelo repórter Igor Carvalho, conta que a prática não só continua como já é possível, até mesmo, comprar correntões via internet. E mais: sabendo que os deputados da Câmara estão discutindo a proibição do uso do correntão em todo o país, alguns anunciantes chegam a dar o caminho para driblar a fiscalização. E afirmam, sobre a mortandade de animais:

“Ah, sempre acontece, principalmente se for mata alta. Não dá pra ver e não tem como ficar descendo do trator para olhar, precisa ser rápido”, responde ao “pretendente” um homem que presta o serviço por R$ 350.

O uso dos correntões está diretamente ligado ao desmatamento ilegal, assim como as motosserras, aparelhos mais conhecidos, que viraram símbolo do desrespeito às florestas. E o desmatamento ilegal acontece dia após dia, noite após noite, muitas vezes em lugares recônditos, de dificílimo acesso. Outras vezes, as autoridades recebem denúncias e partem para cima, a fim de flagrarem o crime. Assim mesmo, nem sempre conseguem que o problema se acabe.

Em junho de 2016, por exemplo, a Polícia Federal, Ibama, Receita Federal e Ministério Público Federal realizaram a Operação Rios Voadores, contra organização criminosa especializada no desmatamento ilegal e na grilagem de terras públicas no Estado do Pará. Na ocasião, foram expedidas várias medidas judiciais, mandados de prisão preventiva e um nome apareceu, fortemente ligado ao que seria uma facção criminosa especializada em desmatamento e grilagem de terras públicas: Antonio José Junqueira Vilela Filho.

No requerimento que uma determinada comissão fez à Justiça Federal para pedir acesso aos dados da Operação Rios Voadores, o deputado Marcon, do PT, anexou reportagem do site O Eco, assinada por Juliana Tinoco, em que são contados alguns bastidores do desmatamento e de como são empregados suas principais ferramentas:

“Os núcleos de desmatadores operavam em todas as fases do típico processo de abertura de floresta. Primeiro retiravam as árvores maiores e mais valiosas – o chamado corte seletivo. A venda ilegal de madeira era uma das atividades com a qual lucrava Jotinha. Na sequência, as áreas eram completamente desmatadas. Entravam em cena os tratores e “correntões”, cabos de aço que devastam em série. Em seguida vinha o fogo. Queimadas eram repetidas até que a área estivesse ‘limpa'”.

Uma busca rápida, hoje, pela internet, no entanto, desvenda a inocuidade das medidas. Antonio, que chegou a ser preso e voltou à liberdade por conta de um Habeas Corpus, aparece no site da Justiça exigindo reparação por danos morais. E nada mais se sabe do assunto.

No dia 15 de agosto, um artigo publicado na revista científica “Science Advance” mostrou como a extração de ipê nas reservas do estado do Pará está sendo fraudada para legalizar madeira clandestina. Pesquisadores brasileiros afirmam que as madeireiras estariam superestimando o volume de madeira cuja extração é permitida, de forma a legalizar madeira retirada ilegalmente de áreas de proteção permanente, como a beira dos rios. Portanto, o crime não para e ainda se sofistica.

E a cadeia produtiva também não para de crescer, ou seja, há sempre mercado pronto a absorver madeiras que venham de extração ilegal ou produtos e animais de quaisquer crimes ambientais. O dinheiro circula aí. Uma reportagem publicada no dia 13 no site do “El País” mostra que boa parte do dinheiro escondido nos paraísos fiscais é que acaba financiando a pesca ilegal e o desmatamento na Amazônia, segundo um estudo que analisou os escassos dados públicos existentes sobre os movimentos desse capital opaco e seu impacto ambiental.

“O estudo, publicado na revista ‘Nature Ecology & Evolution’, quantifica também o capital estrangeiro que chega a dois dos setores que mais contribuem para o desmatamento amazônico: a pecuária e a soja, responsáveis por 80% do desmatamento da selva. Usando dados do Banco do Brasil, o trabalho mostra que o equivalente a 104,4 milhões de reais de capital externo chegaram às principais empresas desses setores entre outubro de 2000 e agosto de 2011, o período coberto pelos dados. Desse dinheiro, algo em torno de 71 milhões procedia de paraísos fiscais, com as ilhas Cayman à frente”, diz o texto da reportagem assinada por Miguel Ángel Criado.

A questão é: ou se começa a punir de maneira direta essas práticas criminosas, entendendo-as como crimes contra a humanidade, já que estão roubando bens que são de todos nós, ou os criminosos vão continuar a realizar tais práticas quase abertamente. A denúncia do repórter Igor Carvalho expõe essa desenvoltura para lidar com a retirada das árvores de maneira quase bestial.

Sim, existe o outro lado e existem regras para se retirar árvores, num processo chamado de manejo florestal. Consiste em chamar especialistas, pessoas que estudam as florestas, para que eles possam fazer medições e ver o menor impacto possível que a retirada de uma única árvore, sempre as mais antigas, aquelas que, se caírem por si só, podem causar danos sérios às outras. Este é o procedimento legal. Como se vê, os tais correntões em nada ajudariam nessa retirada.

*Amélia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1