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Um quinto da soja e carne exportada pelo Brasil vem do desmatamento ilegal

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Um quinto da soja e carne exportada pelo Brasil vem do desmatamento ilegal
Transferência de animais entre as fazendas mascara o rastro do desmatamento

No artigo “The rotten apples of Brazil’s agribusiness” (Maçãs podres do agronegócio brasileiro), publicado na revista Science, pesquisadores do Brasil, Alemanha e Estados Unidos denunciaram o rastro de desmatamento ilegal dos produtos exportados à União Europeia, segundo maior parceiro comercial do Brasil. Estima-se que 20% das exportações de soja e pelo menos 17% das exportações de carne bovina estejam ligadas à destruição florestal nos dois maiores biomas brasileiros: Amazônia e Cerrado.

Para rastrear a origem dos produtos provenientes do desmate, os pesquisadores combinaram imagens de satélite sobre a perda florestal com dados públicos, como o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e as Guias de Trânsito Animal (GTA), por meio de um software de alta performance. A tecnologia permitiu a análise de 815 mil propriedades rurais na Amazônia e Cerrado. As descobertas indicam que a minoria, cerca de 2%, é responsável por 62% de todo o desmatamento potencialmente ilegal.

“Enquanto a maioria das exportações agrícolas do Brasil é livre de desmatamento, uma parcela pequena, mas muito destrutiva do setor ameaça minar o futuro econômico do agronegócio do país, além de contribuir para a crescente crise ambiental e climática regional e global”, disseram os autores.

No caso da soja, um quinto das 53 mil propriedades que produzem o grão nos dois biomas utilizaram terras desmatadas para cultivo entre 2008 e 2018, período analisado pela pesquisa. De acordo com o estudo, cerca de 2 milhões de toneladas da soja cultivada ilegalmente no período podem ter tido como destino os mercados europeus.

Os números obtidos pelo estudo indicam que, assim como a soja, grande parte da carne bovina produzida para atender a União Europeia não está em conformidade com a legislação ambiental. Das 4,1 milhões cabeças de gado enviadas ao abate, ao menos 500 mil é oriunda de propriedades desmatadas ilegalmente. Isso representa 2% da carne produzida na Amazônia e 13% da produção do Cerrado.

O maior problema, na visão dos especialistas, é o caminho sujo da venda de gado, em que bois de fazendas irregulares são transferidos para propriedades legais, ocultando o rastro do desmatamento. Como os produtores indiretos não são monitorados pelos grandes frigoríficos, tampouco pelo governo, a carne contaminada é exportada sem que os compradores conheçam sua real procedência.

Ao analisar o fluxo de animais entre as fazendas, os pesquisadores constataram que 60% de todo o gado abatido podem estar envolvidos com o desmatamento ilegal em alguma etapa de sua produção. “O caminho dos rebanhos é longo, do nascimento ao abatedouro. Conseguimos determinar os deslocamentos de uma fazenda para outra”, explicou Raoni Rajão, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e autor principal do estudo.

Pressão externa

As evidências que relacionam as exportações brasileiras ao desmatamento ilegal vieram à tona no momento em que compradores internacionais boicotam produtos ligados ao desmatamento e condicionam a compra de commodities à execução de compromissos ambientais do Brasil.

Em junho, organizações ambientalistas de todo o país enviaram ofício à presidência e aos Estados-membros da União Europeia, sugerindo a inserção de cláusulas rígidas quanto ao controle ambiental de atividades agropecuárias, madeireiras e qualquer outra que possa impactar ecossistemas naturais. Proposto pela Amda, o documento foi assinado por 63 ONGs.

Para o coautor da pesquisa Britaldo Soares-Filho, da UFMG, “é fundamental que a Europa use seu poder comercial e de compra para reverter esse trágico desmantelamento da proteção ambiental no Brasil e seus impactos no clima do planeta, nas populações locais e nos valiosos serviços ecossistêmicos que o país fornece”.

O objetivo dos pesquisadores é disponibilizar gratuitamente o software desenvolvido por eles a empresas, governos e à comunidade cientifica. Assim, o Brasil poderá ter um sistema mais eficiente de rastreamento do desmatamento ilegal em propriedades rurais.

“O software foi desenvolvido para fazer cruzamentos de centenas de milhares de imóveis ligados a produção e exportação, e esse sistema pode ser utilizado para melhorar o monitoramento da própria cadeia. Então essa é uma de nossas soluções para o problema”, destacaram.