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Terra Indígena Yanomami completa 30 anos em pior momento de invasão

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Terra Indígena Yanomami completa 30 anos em pior momento de invasão
Garimpo na Terra Indígena Yanomami. Crédito: Bruno Kelly/Amazônia Real

O povo Yanomami completou, neste ano, 30 anos de demarcação e homologação de seu território diante de uma das maiores ameaças já enfrentadas. Mais de 20 mil garimpeiros avançam sobre a Terra Indígena (TI), deixando um rastro de fome, doenças, destruição e morte.

Segundo dados do projeto MapBiomas, a área ocupada por garimpos em TIs cresceu 495% entre 2010 e 2020, principalmente na Amazônia, que concentra 72% do território minerado no país. Só em 2021, o garimpo destruiu 2.409 hectares em terras indígenas na floresta. Os territórios Kayapó, Munduruku e Yanomami foram os mais afetados.

Na Terra Indígena Yanomami (TIY), o garimpo destruiu mais de mil hectares em 2021, um crescimento de 46% em relação a 2020. É a maior taxa anual desde a demarcação da TI, em 1992. No ano passado, a área total ocupada pela atividade na TIY chegou a 3.272 hectares, de acordo com o MapBiomas.

Por meio de dados, relatos e imagens de satélite, a Hutukara Associação Yanomami mostrou as sequelas deixadas pelo garimpo ilegal. As informações deram origem ao relatório “Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo”. O documento revela a destruição no território de aproximadamente 10 milhões de hectares, situado entre o Amazonas e Roraima.

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Área destruída pelo garimpo na TIT / Relatório Yanomami sob ataque

“A gente está fazendo um trabalho de monitoramento do nosso território, e ano passado sobrevoamos a TI para mostrar onde o garimpo ilegal está crescendo, o avanço do desmatamento. Nesse relatório a gente sistematizou isso, pra mostrar para o governo federal, Exército, Polícia Federal, Funai, Ministério Público Federal e pedir providências”, afirmou Dario Kopenawa Yanomami, vice-presidente da Hutukara.

O relatório aponta fatores que fizeram o garimpo se alastrar na região, como:

  • Aumento do preço do ouro no mercado internacional.
  • Maior oferta de mão de obra barata devido à crise econômica e desemprego no país.
  • Desmonte das políticas ambientais e enfraquecimento da fiscalização.
  • Falta de transparência e falhas regulatórias na cadeia do ouro.

Garimpo é vetor de abusos e doenças

O levantamento mostra que, além dos danos ambientais, como desmatamento e contaminação de corpos d’água por mercúrio, a atividade impactou diretamente a saúde dos Yanomami, fazendo multiplicar os casos de malária (importada das áreas de garimpo) e outras doenças infectocontagiosas. Os efeitos são sentidos por cerca de 16 mil moradores de 273 comunidades.

Á medida que o garimpo avança sobre a floresta, diminui a disponibilidade de terra fértil, pescado e alimentos para coleta. Em comunidades ao redor do rio Mucajaí, muitas famílias já deixaram de cultivar suas roças e tornaram-se dependentes das trocas desiguais com os garimpeiros.

No polo do rio Auaris, os casos de malária cresceram 247% entre 2019 e 2020. No polo Palimiu, do rio Uraricoera, o número de casos, que não excedia duas centenas desde 2012, passou para mais de 1,8 mil em 2020. Nas comunidades do Arathau, no rio Parima, o índice de malária cresceu 1.127% de 2018 a 2020. Na região, mais de 79% das crianças de até cinco anos estão com baixo peso ou muito baixo peso.

O aumento da violência também é um reflexo da invasão. Na calha do rio Uraricoera, macrorregião que concentra 45% das cicatrizes de garimpo mapeadas, são frequentes os relatos de garimpeiros bêbados invadindo casas, assediando mulheres e ameaçando indígenas. No ano passado, duas crianças das comunidades do Palimiu morreram afogadas no rio na tentativa de escapar de tiros.

Na região do rio Apiaú, moradores revelaram à Hutukara vários casos de estupro e assédio. Há relatos de um garimpeiro que drogou indígenas para estuprar uma criança e de um casamento “arranjado” entre um garimpeiro e uma adolescente Yanomami. O arranjo seria para pagar uma mercadoria, que não chegou a ser entregue.

“Alguns trabalham como carregadores em troca de pagamento em dinheiro ou ouro para depois comprar nas cantinas dos acampamentos, onde 1 quilo de arroz ou um frango congelado custam 1 grama de ouro ou 400 reais. Há situações também em que os garimpeiros oferecem comida em troca de sexo com adolescentes indígenas”, indicou o relatório.

Depoimentos registrados por pesquisadores indígenas revelam a brutalidade da invasão:

Os [garimpeiros] dizem: “Essa moça aqui. Essa tua filha que está aqui, é muito bonita!”. Então, os Yanomami respondem: “É minha filha!”. Quando falam assim, os garimpeiros apalpam as moças. Somente depois de apalpar é que dão um pouco de comida.


“Se você fizer deitar sua irmã comigo, sendo que você é o irmão dela, eu vou pagar para você 5 gramas [de ouro]. Se você quiser cachaça, eu vou dar também cachaça. Você vai ficar bêbado na sua casa!”. Falam assim para os Yanomami.

“Quando as pessoas disseram que eles se aproximavam, eu fiquei com medo. Por isso, desde que ouço falar dos garimpeiros, eu vivo com angústia”, disse uma Yanomami a uma das pesquisadoras.

Soluções

O documento aponta algumas soluções para o problema, como a retomada de uma estratégia de proteção territorial consistente, capaz de deflagrar operações regulares de desmantelamento nos focos de garimpo e a manutenção das Bases de Proteção Etnoambientais em locais estratégicos.

Dario Kopenawa cobra que o governo brasileiro cumpra o que está garantido na Constituição de 1988 e retire os garimpeiros do território Yanomami. “Eles estão trazendo muita destruição, mortes, violações de direitos humanos. É dever do governo federal proteger os povos indígenas e seus territórios”, afirma.

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