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Moda e desmatamento: como grifes famosas estão financiando a destruição da Amazônia

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Moda e desmatamento: como grifes famosas estão financiando a destruição da Amazônia
Crédito: Christian Braga / Greenpeace

Levantamento inédito realizado pela Stand.Earth aponta a relação da indústria da moda com a destruição da Amazônia. Ao utilizar couro de curtumes brasileiros e indústrias ligadas ao desmatamento, como a JBS, diversas grifes têm contaminado suas cadeias de produção com o desmatamento. O estudo lista 150 empresas suspeitas, incluindo marcas mundialmente famosas, como Zara, Adidas, Nike, New Balance, Prada e Dior.

A Stand.Earth, empresa especializada em análise de cadeias de produção, já rastreou mais de 500 mil documentos, dentre informações alfandegárias, relatórios e bancos de dados sobre a indústria e o comércio do couro. O estudo, ainda em andamento, já mapeou 400 conexões entre empresas e fornecedores.

De acordo com o levantamento, a indústria da moda já é responsável por 4% das emissões mundiais de gases de efeito estufa, enquanto o desmatamento causado pela pecuária responde por 2% das emissões, apenas na Amazônia.

A complexa rede que interliga a pecuária na Amazônia com grandes marcas da moda, passa por curtumes e processadores de couro de vários países. Cerca de 80% do couro produzido no Brasil é exportado. A China é o maior comprador (41,6%), seguida de Itália (27,3%), Vietnã (9,6%), Taiwan (5,6%), Índia (3,5%), Estados Unidos (2,5%) e Tailândia (2,2%).

No centro dessa cadeia de suprimentos, encontra-se a JBS que, além de maior produtora de carne bovina do Brasil, é também a maior produtora de couro no território brasileiro. Além dela, foram analisadas transações de outras grandes produtoras de couro do país. Embora seja um subproduto da pecuária, o couro é lucrativo. Apenas em 2020, os abatedouros faturaram US$ 1,1 bilhão com a venda do produto. Esse valor representa em torno de 18% dos rendimentos dos frigoríficos.

O levantamento aponta a JBS como a principal responsável pelo desmatamento causado pela pecuária na Amazônia. Nos últimos dez anos, a empresa, por meio de fornecedores, esteve ligada a 2,8 milhões de hectares desmatados. Entre 2019 e 2021, a área degradada relacionada à empresa foi de 91 mil hectares, sendo 81% deles possivelmente ilegal.

A empresa criou políticas para conter a degradação ambiental, mas elas não estão sendo cumpridas. A JBS se comprometeu a acabar com o desmatamento em toda a sua cadeia de suprimentos até 2035, mas ambientalistas veem a promessa como “vazia” devido à falta de esforços para cumpri-la.

Impactos da pecuária

A pecuária é a principal causa do desmatamento nas florestas tropicais do mundo todo. No Brasil, o rebanho bovino é o segundo maior do planeta. De acordo com dados do IBGE, em 2019 o país contava com 214 milhões de cabeças de gado. É mais que a população brasileira, que soma aproximadamente 211 milhões de pessoas. Grande parte desses animais estão em fazendas na Amazônia, região onde o rebanho cresce em taxas alarmantes.

De toda a perda florestal causada pela atividade no planeta, 45% ocorreu no Brasil. Estima-se que o desmatamento da Amazônia seja responsável por 2% dos gases de efeito estufa emitidos globalmente, o que equivale às emissões de todas as viagens aéreas comerciais do mundo.

Estudo realizado pelo World Resources Institute revela que, de todo o desmatamento provocado pela agricultura e silvicultura, de 2001 a 2015, 36% foi causado pela pecuária. A atividade foi responsável, no período, por quase o dobro de área desmatada do que outras commodities, como óleo de palma, soja, cacau, borracha, café e madeira juntas.

Revelando o rastro de desmatamento

Os autores da pesquisa ressaltam que as empresas que compram couro da JBS e outras produtoras, como Minerva e Fuga Couros, têm grande risco de terem suas cadeias contaminadas. O levantamento dividiu as empresas entre “conexão única”, quando o risco de estarem ligadas ao desmatamento é menor, e “conexões múltiplas”, quando as chances são altas.

Entre as empresas de “conexão única” estão 53 marcas, incluindo Giorgio Armani, Alexander Wang, Balenciaga e Gap. Já a lista de “conexões múltiplas” abrange 133 marcas, como Adidas, Nike, Puma, Asics, Zara, Louis Vuitton, Calvin Klein, Prada, Lacoste, Dior, Versace e Guess.

Grande parte das empresas possuem políticas contra a compra de couro com rastro de desmatamento e 15 delas proíbem a compra de couro proveniente da Amazônia. Algumas até fazem parte do Leather Working Group, um acordo para fiscalização de fornecedores, mas o grupo fiscaliza apenas abatedouros, ignorando o caminho sujo da venda de gado, em que bois de fazendas irregulares são transferidos para propriedades legais, ocultando o rastro do desmatamento.

“Com um terço das empresas pesquisadas tendo algum tipo de política em vigor, seria de se esperar que houvesse algum impacto sobre o desmatamento. A taxa de desmatamento está aumentando, então as políticas não têm efeito material”, afirmou Greg Higgs, coator do estudo.

De acordo com projeções, para suprir a demanda de couro da indústria da moda, será necessário abater 430 milhões de vacas (o dobro do rebanho brasileiro) anualmente até 2025.

Alternativas

Atualmente existem no mercado diversas opções de “couro sintético” em substituição ao de origem animal, por isso várias marcas já abandonaram o uso de couro e peles de animais. Balenciaga e Puma estão entre as que prometerem banir o couro de suas coleções a partir de 2022. Elas fazem parte da Kering, gigante da moda que não vai mais utilizar couro em nenhum produto de suas subsidiárias.

“No final do dia, temos que encontrar outras soluções e outros couros alternativos que não sejam de origem animal e que não sejam de origem plástica. Com os recursos que as empresas de moda têm, realmente não há desculpa”, afirmou Céline Semaan, presidente da Slow Factory.

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