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Entrevistas

Poluição plástica em ecossistemas marinhos é problema global urgente

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Poluição plástica em ecossistemas marinhos é problema global urgente
Crédito: WWF

Estudo da WWF e Banco do Brasil aponta que o país gera 11.355.220 toneladas de plástico por ano, das quais apenas 145.043 toneladas são recicladas. Para Douglas Santos, Analista de Engajamento da WWF-Brasil, o país segue na contramão dos acordos globais para proteção do meio ambiente e combate às mudanças climáticas ao votar contra a proposta de um acordo internacional para limitar os resíduos plásticos.

Em conversa com a Amda, Santos lembra que a poluição por plástico é um problema transfronteiriço que exige um conjunto de ações em diversas esferas, de todos os países. “A poluição por plásticos em ecossistemas marinhos é um problema global urgente, com impactos adversos na economia, saúde humana e no meio ambiente”, afirmou. Confira a entrevista:

Amda – O plástico revolucionou a indústria em todo o mundo e se tornou onipresente na rotina da sociedade. Mas tornou-se um dos grandes vilões para os oceanos. Pesquisas apontam que, em 2050, haverá mais plástico do que peixes nos mares. Geograficamente, qual é a extensão atingida? Pode-se dizer que a poluição por plástico já afeta a atividade de pesca?

Douglas Santos – A escala é global. O problema do plástico não afeta somente um ou outro país e ele é transfronteiriço. Tanto é que estamos pedindo à ONU que elabore um tratado internacional para que se tenha maior controle e gestão sobre a poluição plástica.

São diversos os relatos de embalagens e materiais plásticos que cruzam o mundo. Um exemplo recente foi o surgimento de diversos tênis e chinelos do mesmo modelo na costa europeia. Acredita-se que a origem do material seja do navio Maersk Shanghai. Em março de 2018, quando navegava próximo à costa da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, o navio enfrentou uma tempestade e 76 contêineres caíram no mar. Esse é só um exemplo de como a poluição marinha é levada pelas marés.

No início do ano, o cientista Victor Vescovo descobriu saco plástico, embalagens doces e resíduos plásticos durante um mergulho a 10.927 metros de profundidade, na Fossa das Marianas, durante o mergulho mais profundo já realizado na história. Essa descoberta desagradável destaca a extensão e os impactos de longo alcance da poluição plástica em nossos oceanos.

Referências:
https://www.bbc.com/portuguese/internacional-48689331
https://edition.cnn.com/travel/article/victor-vescovo-deepest-dive-pacific/index.html

Com relação à pesca, é inegável o impacto que a poluição causa nos estoques pesqueiros. Os impactos vão desde a mortalidade de espécies devido à ingestão de microplásticos, estrangulamentos e amputações. Até mesmo à impactos na nossa alimentação, estudos revelam que estamos nos alimentando de peixes e frutos do mar contaminados com microplásticos e que estes componentes também estão começando a se alojar em nossos organismos.

Dados referenciados elencados em nosso relatório sobre a Poluição Plástica mostram que além da pesca, outras atividades estão sendo impactadas economicamente:

• O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) estima o custo do capital natural em US$ 8 bilhões / ano com o setor pesqueiro, comércio marítimo e turismo, direta e indiretamente impactados pela poluição plástica
• Interrupção do comércio devido à poluição plástica na União Europeia representa 0,9% do total das receitas da indústria (€ 61,7 milhões/ano)
• A Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) estimou o custo de danos por poluição à navegação comercial em US$ 297 milhões/ano
• A cidade francesa de Nice, por exemplo, gasta €2 milhões todos os anos na limpeza de suas praias.

Amda – Quais são os países mais responsáveis pela poluição dos oceanos com resíduos plásticos?

D.S – É preciso se aprofundar em questões relacionadas à destinação final do produto. O gráfico abaixo mostra os países que mais geram lixo plástico no mundo.

plastico mundo2

O estudo considera reciclado o material plástico que é efetivamente reaproveitado e reinserido na cadeia produtiva.

Amda – O WWF está liderando a campanha internacional Oceano Sem Plástico. Pode citar algumas ações previstas e adesões de instituições ou pessoas de relevância?

D.S – Alguns países já demonstraram publicamente o interesse de que se tenha um acordo global para melhor controle da poluição plástica. O destaque vai para os países escandinavos que assinaram um acordo para a elaboração de plano de combate à poluição plástica naquela região. Outros países como Alemanha, Itália, França, Turquia, Japão e Turquia já se demonstraram favoráveis ao acordo internacional.

Amda – A campanha inclui uma petição online pelo fim da poluição plástica nos mares. Quantas assinaturas foram coletadas até o momento?

D.S – No mundo todo são mais de 830 mil assinaturas.

Amda – A campanha alerta que a poluição por plástico poderá dobrar até 2030 se não forem adotadas mudanças sistemáticas e urgentes em relação ao assunto. Estudos recentes alertam que uma pessoa pode ingerir de 39 mil a 52 mil partículas de microplásticos por ano, comprovando que os efeitos desta poluição também impactam negativamente os humanos. A substituição de materiais feitos de plástico por papel ou outros materiais biodegradáveis parece, no entanto, caminhar a passos lentos. A indústria de plástico pode ser considerada uma das responsáveis por isto?

D.S – Não existe solução isolada; é preciso um conjunto de melhorias para resolver o problema.

Os governos devem:
– Firmar um tratado internacional juridicamente vinculativo para acabar com a poluição plástica despejada nos oceanos, contribuindo para o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 14.1.
– Estabelecerem metas nacionais para a redução, a reciclagem e o controle do plástico em linha com os tratados mundiais, incluindo mecanismos de informação transparentes que reconheçam a natureza transfronteiriça do problema.
– Implementar instrumentos apropriados para políticas que incentivem a criação e uso de plásticos reciclados no lugar de plásticos novos e a inovação de alternativas viáveis ao plástico que tenham um menor impacto ambiental.
– Colaborarem com as indústrias e grupos da sociedade civil para garantir uma abordagem sistemática que reúna produção, consumo, gestão de resíduos e reciclagem como um sistema único, evitando ações e políticas individuais, fragmentadas ou simbólicas.
– Investir em sistemas ecologicamente fundamentados para a gestão de resíduos domesticamente e em países onde os resíduos plásticos sejam exportados para descarte, assegurando, assim, benefícios econômico-sociais e ambientais a longo prazo.
– Elaborarem legislação eficiente para a responsabilidade estendida do produtor como mecanismo de política para todos os setores produtores de plástico, visando garantir uma maior responsabilização das empresas na coleta, redução, reuso, reciclagem e gestão dos resíduos plásticos provenientes de suas cadeias de suprimentos.
– Implementarem medidas satisfatórias de monitoramento e conformidade para todas as políticas relacionadas à produção, coleta e gestão de resíduos para todas as partes interessadas do sistema dos plásticos.
– Trabalharem adequadamente a nível regional e investirem em abordagens municipais para estabelecer um plano de gestão robusto e mecanismos de informação transparentes, visando prevenir a contaminação por plásticos dos sistemas hídricos ou outros mecanismos mal administrados de descarte de resíduos.

Empresas podem:
– Reduzir o plástico excessivo e desnecessário para prevenir que ele se torne um resíduo mal administrado ou poluição.
– Comprometerem-se a buscar alternativas em plásticos reciclados ou sustentáveis para as embalagens de seus produtos.
– Inovarem e buscarem alternativas sustentáveis ao plástico que promovam modelos de economia circular e que não causem graves impactos negativos sociais ou ambientais.
– Fazer uso da influência individual e coletiva para afastar as indústrias de modelos econômicos nocivos que ameaçam a vida selvagem, poluem sistemas naturais e criam problemas sociais e econômicos a longo prazo.
– Investirem em sistemas de gestão de resíduos ecologicamente comprovados em mercados e países finais onde os resíduos plásticos sejam importados para descarte.
– Apoiarem a elaboração de legislação e melhores práticas que garantam mudanças a nível setorial e a implantação eficaz de políticas governamentais.

E a sociedade em geral pode:
– Acionar seus representantes no governo para garantir que adotem medidas para a redução, reciclagem e gestão dos resíduos plásticos de forma transparente e responsável.
– Fazer uso de seu poder de consumidor e exigir que as indústrias demonstrem liderança através da redução da dependência do plástico descartável e desnecessário, enquanto investem em alternativas ecologicamente viáveis.
– Reduzir seu consumo de plásticos desnecessários, além de reutilizar e reciclar o que for utilizado.

Amda – O Brasil recusou-se a aderir um acordo mundial para limitar o volume de resíduos plásticos. Em sua opinião isto afeta negativamente a imagem do país?

D.S – O acordo foi recebido com aplausos na sala do plenário da ONU e considerado um avanço histórico e inovador sobre um problema transfronteiriço, de proporções globais. O Brasil, apesar de ter anunciado o Plano Nacional de Combate ao Lixo no Mar, segue mais uma vez na contramão dos acordos globais para o meio ambiente a as mudanças climáticas ao votar contra o acordo internacional, mostrando incoerência entre o discurso e a prática. A poluição por plásticos em ecossistemas marinhos é um problema global urgente, com impactos adversos na economia, saúde humana e no meio ambiente.

Recentemente o G20 anunciou um acordo para o tema, entretanto, ainda não temos o detalhamento desse acordo. E o anúncio de permanência do Brasil no Acordo de Paris pode ser uma esperança para que acordos para o lixo marinho surjam, de fato. Por hora, ainda nos resta esperar soluções mais concretas para o assunto.