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Diferença Ambiental

Reprodução em cativeiro salva aves ameaçadas da extinção

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Reprodução em cativeiro salva aves ameaçadas da extinção
Roberto Azeredo

O mutum-do-sudeste (Crax blumenbachii) chegou a ser considerado extinto em Minas Gerais, mas o futuro da espécie ganhou esperança com o trabalho desenvolvido pela Crax Sociedade e Pesquisa da Fauna Silvestre, fundada por Roberto Azeredo em 1987.

Influenciado pelo pai, João Antonio de Avelar Azeredo, e pelo tio Hugo Eiras Furquim Werneck, Azeredo se encantou com as aves ainda criança. No início da década de 60 ele já pesquisava e criava aves como o canário-da-terra (Sicalis flaveola). Em 70, Azeredo investiu em espécies de maior porte, buscando a reprodução em cativeiro. A fim de expandir as pesquisas e tentar salvar da extinção mais espécies, Azeredo fundou a organização ao lado do engenheiro agrônomo e zootecnista James Simpson.

O trabalho da Crax é reconhecido internacionalmente. Entretanto, o financiamento das atividades continua a ser o maior desafio. “Meus recursos têm um limite natural e então deixo de pesquisar outras espécies ameaçadas brasileiras e estrangeiras e de ampliar as pesquisas em curso, o que é lastimável se considerarmos que a Crax tem metodologias e protocolos que poderiam fazer a diferença no salvamento de inúmeras espécies que seguem sem maior atenção prática. Infelizmente ainda não existe uma cultura que valorize a criação em cativeiro como recurso para proteger espécies que estão mais ameaçadas, objetivando recompor as populações em seus habitats”, lamentou.

Conheça detalhes do trabalho desenvolvido pela Crax e sua importância para salvar várias espécies da extinção.

Amda- Por muitos anos você atuou no mercado financeiro como administrador de empresas. Quando começou sua aproximação com a avifauna?

Roberto Azeredo: O meu interesse pela avifauna começou na infância, influenciado principalmente pelo meu pai, João Antonio de Avelar Azeredo, e pelo meu tio Hugo Eiras Furquim Werneck, que sempre se mostraram muito interessados pelos pássaros, como o bicudo (Oryzoborus maximiliani), o curió (Oryzoborus angolensis) e outros. Apesar de não desenvolverem trabalhos semelhantes ao que faço (reproduzir em cativeiro aves ameaçadas de extinção), me ajudaram no interesse pelas aves e tudo o que está envolvido na biologia delas.

Amda- Seu trabalho com aves silvestres brasileiras começou nos primeiros anos da década de 70, com foco em alguns grupos de maior porte da Mata Atlântica, à época já ameaçadas. Quais eram essas espécies e quais são os status de conservação atualmente?

R.A – Apesar de já pesquisar aves no início da década de 60, criando pássaros como, por exemplo, o canário-da-terra (Sicalis flaveola), foi na década de 70 que comecei meu trabalho com as espécies de maior porte (cracídeos e tinamídeos), sempre buscando a reprodução em cativeiro. Os primeiros trabalhos foram com o mutum-de-penacho (Crax fasciolata f.), jacu-açu (Penelope obscura bronzina), inhambu-xororó (Crypturellus parvirostris) e o macuco (Tinamus solitarius). A partir de 1975 começaram as pesquisas com o mutum-do-sudeste (Crax blumenbachii), que é considerado o “carro chefe” do meu trabalho e é o mais ameaçado, com status de conservação IUCN “Ameaçado” (EN). O mutum-de-penacho tem status IUCN “Vulnerável” (VU), o macuco é “Quase ameaçado” (NT) e as demais espécies citadas têm status de conservação IUCN “Pouco preocupante” (LC). IUCN é International Union for the Conservation of Nature.

Amda – Quando a Crax foi fundada, em 1987, você já dominava as técnicas de reprodução em cativeiro e detinha uma população de 500 aves em seu Centro de Pesquisas. Quais avanços e dificuldades você mencionaria ao longo desta jornada?

R.A – Resolvi criar a Crax em 1987 exatamente porque o meu envolvimento, o número de espécies estudadas e os resultados obtidos só cresciam, fazendo-me sentir a necessidade de passar a um patamar empresarial, que me permitisse continuar e expandir as pesquisas, na missão de ajudar a salvar um número cada vez maior de espécies ameaçadas de extinção. Convidei para essa empreitada o engenheiro agrônomo e zootecnista James Simpson, que tinha idêntico interesse. Os principais avanços conseguidos de 1987 (fundação da Crax) até hoje foram os aprimoramentos das técnicas de manejo em cativeiro relacionadas com o processo produtivo no cativeiro; controle genético das matrizes; cuidados sanitários; alimentação; manuseio; e os demais aspectos de todo o trabalho, desde a formação dos casais reprodutores até as técnicas de incubação artificial, a criação de filhotes e a produção dos indivíduos a serem soltos na natureza.

Amda – Após a reprodução em cativeiro os animais são soltos na natureza. Como funciona este processo?

R.A – A reintrodução é muito complexa porque os trabalhos começam na elaboração e aprovação dos projetos relativos ao criadouro, espécies a serem trabalhadas e identificação das áreas que vão receber as aves, além das respectivas licenças dos órgãos ambientais, sem esquecer os recursos humanos, físicos e financeiros requeridos para a correta execução dessas atividades. Além disso, há as pesquisas relacionadas com as espécies escolhidas, passando por todo o trabalho de desenvolvimento das técnicas de manejo em cativeiro e os prazos de produzir indivíduos em boas condições de serem soltos na natureza. A reintrodução de animais na natureza deve ser para sempre, assim como a extinção é para sempre, então de pouco adianta reintroduzir espécies ameaçadas em seus habitats, com todos os cuidados necessários, e tempos depois interromper o projeto e deixar voltar tudo à estaca zero ou bem perto dela. Para todo este trabalho a Crax segue o Programa apresentado a seguir:

A reintrodução na Natureza, feita com indivíduos excedentes produzidos em cativeiro, obedece a um protocolo específico que, completando o ciclo da conservação, reúne ações que podem levar ao salvamento de espécies da fauna silvestre ameaçadas de extinção. Há outras ações e todas juntas formam o ciclo salvador. Para assegurar o cumprimento desse universo de ações em seus projetos, a Crax criou o Programa Integrado de Preservação de Espécies da Fauna Silvestre que, aplicado na prática e aperfeiçoado nesses 27 anos, reúne hoje 24 atividades:
1. Definição das espécies a estudar.
2. Preparo e aprovação oficial do Projeto Geral (campo, cativeiro e reintrodução).
3. Estabelecimento de metas para futura medição de resultados e avaliação periódica.
4. Promoção do Projeto junto a patrocinadores potenciais.
5. Formação e treinamento da equipe de trabalho.
6. Implantação da infraestrutura prevista para a área da Crax.
7. Obtenção das matrizes para reprodução.
8. Domínio da reprodução e do manejo em cativeiro.
9. Multiplicação dos indivíduos de cada espécie em cativeiro.
10. Controle sanitário de todo o plantel.
11. Exames e orientação genética para os pareamentos em cativeiro e para a seleção das aves a soltar ou distribuir seletivamente para outras instituições similares.
12. Identificação e estudo de reservas naturais protegidas, no habitat das espécies a reintroduzir.
13. Preparação e aprovação oficial dos Projetos de Reintrodução.
14. Implantação da infraestrutura prevista para as reservas selecionadas, inclusive de segurança.
15. Exames de laboratório nas aves a reintroduzir.
16. Transporte das aves para o viveiro de adaptação construído no local de soltura.
17. Período de adaptação no viveiro.
18. Reintrodução nas reservas naturais escolhidas e preparadas.
19. Monitoramento no viveiro de adaptação e pós-reintrodução.
20. Outras ações de conservação ambiental nas reservas (água, solo, corredores, enriquecimento vegetal).
21. Divulgação, Educação Ambiental e Intercâmbio Científico.
22. Cooperação com universidades (UFMG, USP e UFSCar) em temas como doenças, nutrição, genética e biologia das espécies.
23. Adequação legal de todas as atividades junto aos órgãos competentes.
24. Contribuição para a melhoria da qualidade de vida das comunidades vizinhas.

Amda – A primeira soltura de mutuns foi na Fazenda Macedônia, de propriedade da Cenibra. Desde então a empresa tem sido parceira no projeto? Como começou? Quantas aves já foram soltas no local?

R.A – Em 1989 a Cenibra procurava ampliar sua atuação ambiental e pediu sugestões ao Dr. Hugo Werneck, renomado ambientalista e coincidentemente meu tio, que sempre acompanhou meu trabalho com as aves silvestres. Foi assim que Cenibra e Crax se aproximaram e assinaram uma parceria de muito sucesso, que em 2019 completa 29 anos. Até 2018 foram soltas na Cenibra 480 aves de sete espécies, com 291 nascimentos observados nos monitoramentos – só do mutum-do-sudeste foram soltos 219 exemplares e registrados 154 nascimentos. As sete espécies são: capoeira (Odontophorus capueira), inhambu-açu (Crypturellus obsoletus), jacu-açú, jacutinga (Aburria jacutinga), jaó-do-sul (Crypturellus noctivagus noctivagus), macuco e mutum-do-sudeste ou do-bico-vermelho.

Amda – A Crax conseguiu reproduzir também o mutum-de-alagoas. Qual é a situação da espécie em termos de ameaça? A organização conseguiu parceria para sua reintrodução na natureza?

R.A – O mutum-de-Alagoas é uma das aves mais ameaçadas do mundo, extinta na natureza desde o final da década de 70, quando foram resgatados por Pedro Mário Nardelli, do Rio de Janeiro, os cinco últimos exemplares. A Crax deu seguimento ao trabalho iniciado por Nardelli e, de cerca de 200 mutuns hoje existentes, 90% nasceram na Crax. Para chegar a esse ponto, a Crax formou parcerias de grande valor logístico e técnico como, por exemplo, com o Instituto para Preservação da Mata Atlântica (IPMA), sede em Maceió-AL, com o Ministério Público de Alagoas, USP e UFSCar. No momento estão sendo estudadas formas de conseguir também parcerias financeiras (patrocínios), para que o projeto mantenha o ritmo, chegue à reintrodução na natureza e se firme para sempre.

Amda – A harpia ou gavião real foi extinta em Minas Gerais pelo desmatamento e caça. A Crax conseguiu reproduzi-la em cativeiro, mas sua reintrodução não aconteceu. Em sua opinião, Minas abriga áreas preservadas capazes de manter a espécie? Se positivo, perguntamos se a soltura não ocorreu por falta de apoio do estado e da sociedade.

R.A – Minas Gerais ainda tem algumas áreas capazes de abrigar harpias, a exemplo do Parque Estadual do Rio Doce, subordinado ao Instituto Estadual de Florestas (IEF), com uma superfície de 36.000 hectares. Entretanto, essa ave é um predador de grande porte e exige uma vasta área de vida (7.500 a 10.000 hectares/casal, segundo especialistas), o que dificulta a missão de encontrar e viabilizar matas nativas capazes de receber e manter a espécie ao longo do tempo. A Crax suspendeu a reprodução das harpias exatamente por essas dificuldades, mas acredito que é uma questão de tempo para que seja possível sua reintrodução em Minas, na medida em que as dúvidas técnicas sejam superadas a partir de argumentos sólidos e que privilegiem a espécie. Como ocorre com a maioria dos predadores de topo de cadeia alimentar, a exemplo da harpia, a histórica falta de apoio realmente eficaz da parte da sociedade e do estado na proteção de seus habitats termina levando a essa situação crítica de áreas disponíveis para reintroduções e solturas.

Amda – O nome da instituição – Crax – é uma referência à espécie que consolidou e divulgou o trabalho original, o mutum-do-bico-vermelho (Crax blumenbachii). Quantos indivíduos você obteve para iniciar a reprodução e como isso aconteceu? O que mudou desde a criação da Crax para a espécie?

R.A – O trabalho com o Crax blumenbachii representa até hoje a pesquisa mais importante e completa da Crax. Começou em 1975 com estudos de campo que possibilitaram a captura dos primeiros casais em região do sul da Bahia que estava em final de desmatamento para a agropecuária. Essas aves foram trazidas para Belo Horizonte e permitiram as primeiras pesquisas sobre a reprodução da espécie em cativeiro. Depois, novas linhagens genéticas foram acrescentadas ao plantel. Hoje, como resultado desse trabalho, a Crax está perto de soltar o mutum de número 400 e essas aves estão distribuídas por três áreas em Minas Gerais e uma no estado do Rio de Janeiro, completando o ciclo da verdadeira recomposição da biodiversidade.

Breve histórico do projeto com o Crax blumenbachii:
– 1975 a 79 – Trabalho de campo e captura dos primeiros dois casais (junho de 78 e junho de 79).
– Anos 79 até hoje: incluir novos indivíduos para o fortalecimento genético. Pelo menos mais 10 aves de origens distintas do grupo original foram incluídas no trabalho.
– Foram desenvolvidos quatro experimentos de reintrodução: Cenibra, Copasa, Cemig e Regua.
– Foram soltas até o momento 393 mutuns nessas áreas, com a observação de aproximadamente 171 filhotes oriundos das aves soltas.
– Este ano vamos ultrapassar 400 aves da espécie soltas em vida livre e de 1981 a 2019 já tivemos em torno de 2.000 nascimentos da espécie em nosso Centro de Pesquisas.

Agora um breve texto sobre o que representou e representa o nosso trabalho para a espécie:
– Em 1975 restavam 200 mutuns em vida livre (N. Collar).
– A espécie foi extinta em Minas Gerais e no Rio de Janeiro e hoje voltou aos dois estados através do nosso trabalho.
– Aproximadamente 400 aves soltas, com em torno de 171 nascimentos já observados, oriundos das aves reintroduzidas.
– Nascimento de aproximadamente 2.000 blumenbachiis na Crax.
– O 1º Plano de Ação Nacional da Série Espécies Ameaçadas, lançado pelo Ibama em 2004, foi baseado nos resultados da Crax.

Amda – Em 32 anos, quantos animais e espécies já passaram pelo projeto?

R.A – Passaram pela Crax aproximadamente 100 espécies de aves, incluindo espécies de outros países ameaçadas de extinção, como o mutum-do-bico-azul (Crax alberti), endêmico da Colômbia, o mutum-grande (Crax rubra), encontrado na América Central e no norte da América do Sul, e a pava-negra (Aburria aburri), originária da Colômbia, Equador, Peru e Venezuela. Grande parte das 100 espécies não está envolvida em projetos de reintrodução, são pesquisadas para obtenção de informações importantes para os trabalhos com espécies muito ameaçadas de extinção das mesmas famílias. Quanto ao número de aves que já passaram pela Crax, somando o que existe hoje com as soltas em projetos de reintrodução, as transferidas para outros criadores e as mortes, em aproximadamente 32 anos fizeram parte das nossas pesquisas em torno de 3.000 aves.

Amda – Qual é o sentimento ao saber que seu trabalho pode ajudar a salvar espécies da extinção?

R.A – Não há nada mais gratificante do que ver os resultados que conseguimos na recuperação de populações em vida livre de espécies muito ameaçadas de extinção, como, por exemplo, o mutum-do-sudeste e a jacutinga, que foram extintos em nosso estado e, através do trabalho da Crax, estão, sem dúvida, mais distantes da extinção.

Mas há também alguma frustração, ao ver que ano após ano, década após década, as ações de efetivo apoio – públicas e privadas – à causa ambiental, embora com melhoras significativas pontuais, permanecem insuficientes no seu todo para evitar que importantes parcelas de ecossistemas e algumas de suas espécies animais e vegetais sejam suprimidas e se aproximem da fronteira sem volta que é a extinção.

Amda – A Crax promove algum tipo de trabalho de educação ambiental?

R.A – A Crax inclui programas de educação ambiental em todos os projetos de reintrodução, sempre em parceria com os responsáveis pelas áreas onde as aves são soltas. A educação ambiental tornou-se ao longo do tempo uma ferramenta indispensável aos trabalhos de campo da Crax e faz parte também da sua fala, nas visitas que recebe e nas apresentações que realiza a convite em eventos no Brasil e no exterior. Como exemplo concreto cito a parceria com a Celulose Nipo-Brasileira – Cenibra, nosso primeiro projeto de reintrodução e ainda hoje o mais completo, que desde 1990 já recebeu mais de 60.000 alunos das escolas regionais da área de atuação da empresa (leste de MG).

Amda – A Crax é uma entidade civil sem fins lucrativos registrada no Ibama como criadouro científico. Sabemos que a organização enfrentou – e ainda passa por – grandes dificuldades e muito do que fez foi graças a recursos próprios investidos. Até a propriedade onde está instalada é sua. Como tem sido isto? Têm algum apoio no Brasil?

R.A – O grande problema que enfrentamos é sem dúvida o financiamento das atividades que compõem as pesquisas relacionadas com a criação em cativeiro para projetos de reintrodução (infraestrutura, mão-de-obra e desenvolvimento de técnicas de manejo para formação de casais, incubação artificial e criação e preparo das aves para soltar). As despesas da Crax são financiadas na sua maior parte por meus recursos próprios, com ajuda dos parceiros de cada projeto, que completam o montante dos recursos necessários para o desenvolvimento dos trabalhos. Eu não reclamo por isso, pois faço com gosto. Conseguimos muitos resultados importantes de 1987 até hoje, mas ocorre que meus recursos têm um limite natural e então deixo de pesquisar outras espécies ameaçadas brasileiras e estrangeiras e de ampliar as pesquisas em curso, o que é lastimável se considerarmos que a Crax tem metodologias e protocolos que poderiam fazer a diferença no salvamento de inúmeras espécies que seguem sem maior atenção prática. Se tivéssemos conseguido um número maior de patrocinadores muitas outras espécies poderiam ter sido estudadas. Infelizmente ainda não existe uma cultura que valorize a criação em cativeiro como recurso para proteger espécies que estão mais ameaçadas, objetivando recompor as populações em seus habitats. Dentre os apoios recebidos destaco sempre, como exemplo positivo, a parceria de 29 anos com a Cenibra, que todo ano aporta uma quantia para ajudar nas pesquisas da Crax, além de disponibilizar áreas de boa qualidade ambiental para as reintroduções e manter ela própria uma equipe competente, inclusive nas questões ambientais. Esse tipo de parceria é proveitoso para todas as partes envolvidas, pois as empresas desenvolvem e consolidam um currículo ambiental que as ajuda desde a obtenção de licenças ambientais até a comercialização de seus produtos, especialmente na exportação.

Amda – Seu trabalho é reconhecido internacionalmente. O reconhecimento trouxe apoio?

R.A – Não posso reclamar do reconhecimento técnico e mesmo científico que recebi ao longo dos anos e recebo até hoje. Realmente o nosso trabalho é reconhecido internacionalmente. Fiz bons amigos e muitos contatos interessantes nesse processo e recebemos vários convites de alguns países para apresentar os resultados obtidos com as espécies mais ameaçadas. Mas em termos de apoio efetivo, por exemplo, financeiro, praticamente nada veio desse reconhecimento. Não existe apoio financeiro para atividades de cativeiro. Os diversos organismos que trabalham com a biodiversidade privilegiam financiar pesquisas de campo, pequenas bolsas para estudantes e ações de educação ambiental, que são iniciativas necessárias e louváveis, porém insuficientes para reverter os casos mais graves de risco de extinção. Durante todos esses anos temos lutado para mudar isso, porque a criação em cativeiro é às vezes a última chance para salvar espécies cujas populações estão diminuindo de maneira perigosa em seus habitats.

Amda – Minas Gerais é rota do tráfico de aves silvestres, atividade ilegal que movimenta bilhões anualmente. Como reverter este cenário?

R.A – O tráfico de animais silvestres é uma atividade que vem contribuindo de maneira preocupante para a extinção de diversas espécies em todo o mundo. Entretanto, essa prática não é a principal causa do declínio ou extinção de animais e plantas. O maior problema está relacionado com a redução dos ecossistemas pela ação do homem. Os desmatamentos e outras práticas que direta ou indiretamente contribuem para o desequilíbrio ambiental reduzem ecossistemas a pequenos fragmentos, propícios à caça e à captura de animais. Além disso, reduzem as espécies a pequenos grupos vulneráveis aos efeitos da consanguinidade, que também pode levar espécies à extinção. Outros fatores importantes são aqueles ligados às questões sociais que acabam colaborando com o tráfico de animais silvestres. As populações que vivem em áreas onde ainda existem animais silvestres ou não têm trabalho ou, quando encontram ocupação, recebem baixas remunerações, tendo, portanto, uma péssima qualidade de vida. Essa condição, aliada ao conhecimento que essas populações têm sobre os animais silvestres das suas regiões, faz com que sejam presas fáceis dos traficantes, que as estimulam a capturar animais oferecendo baixos valores, para que sejam entregues para serem vendidos nos grandes centros com altos lucros. Se essa situação não for modificada, criando boas condições de vida para essas populações, nunca vamos resolver esse problema. O trabalho nas escolas em todos os níveis, principalmente com as crianças, é que vai criar as condições ideais para a preservação do meio ambiente. Ninguém gosta do que não conhece e aquilo que aprendemos de forma adequada na infância é que nos leva a colocar a questão ambiental numa boa posição dentro da nossa escala de valores. Todas essas considerações não invalidam o combate sistemático ao tráfico de animais e plantas, punindo de forma exemplar aqueles que não respeitam a lei.

Ainda nessa questão, prefiro não endossar cifras, especialmente muito altas, primeiro, porque na verdade são irreais e há muita lenda nesse tema e, segundo, porque as próprias cifras atraem criminosos interessados em explorar assuntos lucrativos novos. Não é uma questão de fácil solução, uma vez que o homem desde sempre gostou de ter animais domesticados junto a si, ou seja, é hábito ancestral e por isso difícil de diminuir e eliminar. A educação ambiental é uma ferramenta forte para reverter gradativamente esse cenário, especialmente por intermédio dos jovens que, hoje, além de receberem boas mensagens ambientais nas escolas, estão mais interessados em explorar os recursos da internet do que ter animais silvestres em casa. E, enquanto essa situação evolui, é necessário manter as ações oficiais de fiscalização e controle, inclusive internacionais, para amenizar a elevada mortandade associada às atividades ilegais de captura, transporte e venda de animais silvestres.