Opinião

Pesquisa mostra que 76% não praticam consumo consciente no Brasil

* Amélia Gonzalez

Dia desses, numa reunião em casa de amigos, a conversa girou sobre o conforto “da atualidade” e suas garras malévolas sobre os humanos. Alguém lembrou que o homem já foi criatura de sair à caça, de comer com as mãos, de arrancar coisas com dentes, e hoje se entrega fácil, fácil, a embalagens bonitas no supermercado que trazem frutas e legumes lavados e cortadinhos. A pouca disposição em andar, claro, também entrou no bate-papo, tendo como defensores aqueles que lembravam a dificuldade de se locomover em cidades que não oferecem segurança ou ruas confortáveis.

Em pouco tempo estávamos questionando o sistema econômico do pós-guerra, que estimulou a aquisição de coisas para facilitar a vida de todos, sem ter em conta que não temos espaço para acumular tanto, tampouco para o descarte. Um assunto puxa outro… e acabamos no consumismo exagerado de hoje em dia, mesmo em tempos de crise. A síndrome ataca a todos, mas é nas classes menos abastadas que se vê os sintomas de forma mais aguda. Telefones celulares, por exemplo, viraram objeto de necessidade, assim como capas e enfeites para os aparelhos, vistos aos montes em mercados populares.

O bom de não se desperdiçar pensamento é que as coisas não ficam sendo apenas aquilo que demonstram ser, mas também, talvez sobretudo, aquilo que não revelam.

Por coincidência, hoje o Instituto Akatu publicou o resultado de sua pesquisa sobre consumo consciente, que está na quinta edição, e os resultados não surpreendem muito, além de darem força para o debate sobre a necessidade de se repensar estas duas pernas – produção e consumo – em tempos tão preocupantes, distantes daquela “febre de emoção positiva” que se instalou no pós-guerra. A pesquisa aponta que 76% dos 1.090 entrevistados – homens e mulheres como mais de 16 anos – não praticam o consumo consciente.

“Entre os mais conscientes, 24% têm mais de 65 anos, 52% são da classe AB e 40% possuem ensino superior”, revelam os dados, expostos hoje, em São Paulo, pelo presidente do Instituto, Helio Mattar.

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, que leva em conta também os resultados do Teste do Consumo Consciente identificados nos primeiros estudos do Akatu. Os resultados, portanto, trazem a chance do reconhecimento da oportunidade de mudar o comportamento. Vai ser preciso, conforme se vê, buscar trazer os mais jovens, os menos escolarizados e os mais pobres para a causa do consumo consciente, de uma vida mais sustentável.

Um dos itens da pesquisa que me chamou a atenção, até porque estava fresca em minha memória a conversa entre amigos sobre o “confortismo”, é que uma das barreiras apontadas pelos entrevistados como impeditivas para a adoção de práticas sustentáveis é a necessidade de esforço para se fazer isso.

Segundo eles, ser mais sustentável: “Exige muitas mudanças nos hábitos das famílias; nos hábitos dos próprios respondentes; custam mais caro; exigem que se tenha mais informação sobre as questões, sobre os impactos sociais e ambientais que provocam; é mais trabalhoso. E é mais difícil encontrar para comprar os produtos sustentáveis”. Ou seja: para os que responderam à pesquisa, quando a vida exige que se olhe em volta, que se tenha mais cuidados, que se tente descobrir as origens das coisas e como são fabricadas, ela está dando trabalho. E aí, o melhor é optar pelo mais fácil, mesmo que se esteja, assim, provocando maremotos e tsunamis.

A imagem é metafórica, claro. Mas existe uma linha nada tênue a ligar os incêndios provocados por verões mais secos a cada ano, por exemplo, e a produção industrial que também só faz aumentar a cada ano. Consequentemente, como nada é produzido sem que haja alguém para comprar, podemos responsabilizar não só a produção, como o consumo.

Aliás, pego aqui a Encíclica Papal Laudato Si, publicada pelo Papa Francisco em 2015, e vejo a sugestão do Sumo Pontífice: “Sabemos que é insustentável o comportamento daqueles que consomem e destroem cada vez mais, enquanto outros ainda não podem viver de acordo com a sua dignidade humana. Por isso, chegou a hora de aceitar certo decréscimo do consumo em algumas partes do mundo… Trata-se simplesmente de redefinir o progresso”, escreve o Papa.

Mas, sigamos com a pesquisa porque tem mais detalhes que geram reflexão. Sessenta e oito por cento dos entrevistados dizem já ter ouvido falar em sustentabilidade, enquanto 61% não sabem o que é um produto sustentável. O repertório das pessoas que entendem o conceito ainda é voltado para o meio ambiente e 11% disseram não saber o que é sustentabilidade. O preço dos produtos sustentáveis foi, legitimamente, uma barreira também apontada por aqueles que disseram não ter o hábito de comprá-los.

Sim, é verdade. Quando as empresas acharam no tema/conceito sustentabilidade uma “oportunidade no risco”, como gostam de afirmar os relatórios, elas desvirtuaram bastante o que se propõem a debater os estudiosos. É mais ou menos assim: quando se descobriu que aquelas sacolas plásticas largamente distribuídas pelos supermercados causavam um estrago enorme no meio ambiente, a maioria dessas lojas passou a vender sacolas recicláveis. No início, custavam pouquíssimo. Agora já têm um preço bem avantajado, o que desestimula sua compra, sobretudo em tempos de crise. E lá estão novamente as sacolas plásticas em ação, a emporcalhar o meio ambiente. Foi só um exemplo.

Trinta e sete por cento dos entrevistados não se sentem seguros para mudar seus hábitos porque, no fim das contas, não veem preocupação ambiental nem nas empresas, nem nos governos.

Os pesquisadores dividiram os respondentes em Indiferentes, Iniciantes, Engajados e Conscientes às questões de sustentabilidade.

“Um dos principais resultados da Pesquisa Akatu 2018 foi o crescimento do segmento de consumidores “iniciantes”, que correspondia a 32% em 2012 e neste ano está em 38% – o que mostra que o momento é de recrutamento de consumidores indiferentes para que se tornem iniciantes em sua consciência no consumo”, diz o texto da pesquisa, que pode ser encontrada neste link.

Foram destacadas barreiras, mas também identificados os gatilhos que podem ajudar, por exemplo, um consumidor indiferente a se tornar iniciante no tema. Os gatilhos que levam a práticas mais sustentáveis e a compras de produtos mais sustentáveis que têm mais apelo são aqueles que se referem a impactar o mundo, a sociedade e o futuro: 70% dos respondentes se sentem muito motivados pelos benefícios mais emocionais, menos palpáveis. Enquanto que 45% se sentem muito motivados pelos benefícios concretos.

Para concluir, o estudo diz que o consumidor brasileiro tem vontade, mas ainda não chegou a botar a vontade em prática para levar uma vida mais sustentável. Para isso, ele conta também com empresas, mas 56% das pessoas esperam que as corporações façam mais do que o previsto nas leis e que olhem mais para a sociedade.

Na verdade, desde que estou estudando este tema, não tem mudado muito a disposição da sociedade brasileira em relação a ele. Às vezes me pergunto o motivo de tal distanciamento, e não encontro um único motivo, mas vários. Assim como as soluções também virão assim, no plural. É instigante.

* Amélia Gonzalez é jornalista

Fonte: G1